Mar, doce lar: a jornada de uma mulher e seu cachorro na praia

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“Somos uma boa dupla”. Diz uma das protagonistas dessa história que vai te arrancar suspiros. Não só pelo cenário onde ela se passa, mas também porque revela o encontro de duas almas na busca por engrandecer suas jornadas.

A dupla é formada por Mila, uma goiana que encontrou na praia seu refúgio e sua missão, e Tico, o cachorro que encontrou em Mila sua chance de viver e ser feliz.

Tico é um viralata que, tendo o mar como jardim de casa, ganhou de sua tutora o grato apelido de pastor alagoano. Esse título lhe caiu muito bem, não acha? E pela espirituosidade, você já pode sentir o que te aguarda nas linhas a seguir!

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A história de uma mulher e seu cachorro vivendo na praia, uma vida simples e cheia de significado. Mar, doce lar!

A goiana e o pastor alagoano

O primeiro desafio

O encontro dos dois começa em 2022, quando Mila se mudou de Maceió (AL) para Barra de Santo Antônio, um município alagoano a 41 km da capital, em busca do sossego que só a natureza é capaz de dar.  

A salvo: toda essa turminha teve uma segunda chance

Na época, ela e sua então namorada tinham Amora, uma schnawzer que chegou durante a pandemia. Foi num passeio com Amora que Tico, ainda muito pequeno, foi avistado num matagal, ao lado de sua mãe e irmãos. Elas resgataram aquela família.

De vida livre, a cadela mãe não se habituou a ficar dentro de casa. Então, saía para suas andanças, mas, como a natureza é sábia, sempre voltava na hora certa para amamentar os bebês.

Susi tem dono, mas vive na rua e acaba sendo alimentada por alguns moradores

Depois de um algum tempo, os filhotes foram adotados. Inclusive, Tico foi o primeiro, e não por Mila. No entanto, ele adoeceu e acabou voltando para os braços daquela que o salvou. Ela o salvaria novamente e, agora, nada mais separaria os dois.

Com apenas um mês de idade, o filhote foi diagnosticado com cinomose. Aí começou a luta. 

Embora seja um vírus altamente contagioso, incrivelmente, nem a mãe nem os outros bebês tiveram a doença. 

Mas, para Mila e para Tico, foram longos 20 dias de tratamento intenso – período em que ela ficou em outra casa para proteger Amora do contágio.

“Eu ia dormir achando que, no dia seguinte, ele não iria acordar. Ele estava muito mal, os remédios eram muito fortes, e ele, muito pequeno. Mas Tico venceu e não ficou com sequelas”, diz, cheia de gratidão.

Foi a partir daí que se iniciou um profundo envolvimento emocional entre os dois. “Só a gente sabe o que passou. Foi uma conexão muito forte”, afirma.

Depois de um tempo, Tico e Amora ganharam uma irmã felina (continue lendo para conhecê-la)

Em busca da qualidade de vida

Com Tico curado da cinomose, Mila tratou de buscar conhecimento para cuidar dele da melhor maneira possível. Foi aí que descobriu um mundo que a instigou bastante. O comportamento natural dos cães, alimentação bioapropriada, saúde e bem-estar. Tudo novidade para aquela mulher que, apesar de ter tido outros cães na vida, veio despertar somente com aquele viralatinha resgatado.

E Mila estudou. Foi por isso que, mesmo antes de terminar o primeiro ciclo vacinal, o filhote já era levado para passear. Não no chão, pois isso seria perigoso, mas no colo, onde ele estaria protegido e ainda assim pode ser apresentado a diferentes estímulos, como barulhos e a presença de outros animais.

Fuça de areia é fuça feliz!

Os primeiros meses de vida do cachorro são cruciais para a socialização dele. É a melhor fase para apresentá-lo ao mundo: pessoas, lugares, outros animais etc. É claro que os cães são capazes de aprender em qualquer idade, mas biologicamente os primeiros meses são os mais propícios para ensiná-lo. Por isso, é tão importante que o filhote não fique totalmente restrito à sua residência nesse período.

Um mundo na praia

Quem acompanha Tico pelo Instagram, certamente, fica maravilhado com os cenários paradisíacos por onde o cachorro anda. Morando numa vila de pescadores, Mila e seu exemplar único de pastor alagoano – que hoje tem 11 meses e 17kg distribuídos em seu corpo esguio e caneludo – têm a praia como seu lugar no mundo. Os dois pertencem àquele lugar.

Que especial poder dar a oportunidade para o cão exercer comportamentos naturais

E passear com Tico diariamente não é uma obrigação, mas um forte desejo de apresentar-lhe o mundo. “Eu quero mostrar o mundo a Tico nesse lugar gostoso que a gente vive e sinto alegria de poder proporcionar a ele o contato com a natureza”, enfatiza.

Informada sobre as necessidades caninas, Mila dá a seu filhotão a oportunidade de explorar cada pedaço de chão e expressar seus instintos. Para isso, usa uma guia de 10 metros a fim de dar a ele mais liberdade de escolher o trajeto. Assim, ele faz o caminho dele, anda em zigue-zague, vai e volta. O passeio é dele. 

Caçando siris

“Estudei, entendi as necessidades da espécie, como farejar, roer, marcar território etc. A primeira coisa que ele fez quando colocou o pé na areia foi cavar, e assim é até hoje”, conta. 

Cavar a areia e farejar cada metro do chão

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A cada passeio, uma descoberta. Ele destrincha coco seco, interage com os siris e, como um barco à deriva, viaja ao farejar cada matinho da praia.  Uma vez, o viralata observou um filhote beber água da poça e, em seguida, reproduziu a ação. Inédita para ele. Apesar da preocupação, Mila sabe que, para os cães, isso é normal.

Há muito o que explorar na praia

Com a rotina equilibrada, Tico não “arrasta” Mila nos passeios. “Eu só estou ali para mantê-lo em segurança”, ressalta.

E por mais que se repitam diariamente, um passeio nunca é igual ao outro. Tico e Mila têm ali, na praia, um mundo inteiro para descobrir.

Passeio ao por-do-sol

Novos ares

Quando Mila decidiu deixar a capital e morar no interior, foi pensando em ter uma vida mais leve e desacelerada, priorizando a saúde mental. Mas, mesmo morando na beira da praia, não havia motivação para cuidar de si. Tudo mudou quando Tico entrou em sua vida.

“Minha vida era uma antes de Tico, e hoje é outra. Ele veio como uma missão. Me tocou de um jeito a querer proporcionar qualidade de vida para ele. Esse resgate mexeu muito comigo”, declara.

É por isso que Mila, que não tinha o hábito de se exercitar e acordar cedo, passou a levantar às 6h da manhã, para passear com Tico e alimentar os gatos Cereja, Fusca e Chevette. 

Ahhh olhe esses dois nenéns!!! Cerejinha e Tiquinho no Natal 2022

Aliás, Cereja é uma gata malhada, resgatada ainda filhote, que também tirou a sorte grande. Durante um passeio, ela surgiu do mato, olhou para o cachorro, começaram a brincar e, assim, ganhou uma família. 

Cereja virou essa gatona!

Já Fusca e Chevette são irmãos filhotes que, recentemente, encontraram a dupla em uma de suas caminhadas. Preciso dizer ou vocês adivinham?

Fusca, à frente, e Chevette, ganhando um cheirinho do mano – que é a versão felina de Tico

Nessa casa, os passeios são mágicos. Todos os bichos foram resgatados durante um passeio. E Mila também resgata a si mesma a cada passeio.

Olha aí o encontro com os recém-adotados. Eram três, um foi adotado pelo vizinho de Mila

Para ela, teve um impacto muito grande, despertar para esse universo em todos os aspectos. Mudar da capital para o interior, fazer da rotina dos seus animais a sua própria rotina, ter tempo para conseguir valorizar o que realmente importa.

“Ando com ele e me faz tão bem. Às vezes a cabeça tá acelerada ou angustiada. E os passeios desanuviam a mente, me deixam tranquila. Com certeza, fazem um grande bem para a minha saúde mental”, considera.

Ah, e hoje, Amora também desfruta dos benefícios de morar na praia.

Tico, mais novinho, e Amora, que também leva uma vida praiana

Faça chuva, faça sol

Na pacata vila, há as opções de passear na praia, no mangue ou nas pistas de terra batida. E, quase sempre, por um caminho ou por outro, haverá uma trilha de mato, onde Tico transita entre os cavalos. Mila costuma alternar os locais para o cachorro poder percorrer diferentes caminhos.

Pastor alagoano é avistado numa pequena vila de pescadores

Os passeios ocorrem duas vezes por dia. Uma pela manhã, por 1h30 mais ou menos; e outra pela tarde, por cerca de uma hora, quando Tico já está mais cansado das atividades ao longo do dia.

O passeio matinal é o momento favorito da dupla, especialmente quando consegue chegar ao encontro do rio com o mar. Um verdadeiro presente!

No rio que encontra o mar: que lugar!

“Sou emotiva. Para mim, tudo fica muito poético quando estou com ele”, derrete-se.

A chuva já deixou de ser um empecilho para a tutora, que aprendeu que passear é indispensável. Para não ter desculpa, ela arrumou uma galocha e, assim, pode acompanhar Tico por onde for.

Nessa estrada, os dois já pegaram, literalmente, uns três temporais. Mas no fim das contas, Mila garante, é gostoso e vale a pena. 

“Enquanto nós (humanos) reclamaríamos de tomar chuva, Tico faz uma festa e continua passeando como se não estivesse acontecendo nada”, afirma.

Com as necessidades bem atendidas, às 19h, a pilha de todo mundo acaba. Tico dorme a noite toda. Ninguém sofre com insônia nessa casa.

Respira, Não pira

Nos primeiros meses como guardiã de um cachorro, Mila se preocupava bastante com mosquitos e ectoparasitas. Afinal, mora numa região de praia e com bastante mato, endêmica para mosquitos vetores de doenças e ainda com muitos animais soltos.

Além de tudo isso, o cachorro tinha acabado de se curar de uma doença grave. Mas, como vinha estudando para cuidar bem dele, Mila logo entendeu que não seria enchendo Tico de produtos químicos que o estaria protegendo de alguma coisa. Muito menos, privando-o dos passeios.

Muita alegria em vivenciar momentos como este

Para evitar contato com mosquitos, pulgas e carrapatos, ela busca as opções mais naturais possíveis, como repelente e pó de neem, por exemplo. Ao voltar dos passeios, sempre faz uma “busca” pelo corpo do cachorro, usando a escova. Enfim, toma os cuidados necessários com prudência, sem surtar.

“Tive que aprender a relaxar. Tenho um compromisso com Tico. Eu vou lhe proporcionar uma vida de qualidade. Se ficar doente, levo ao veterinário e tratamos. Não vou ficar com medo do que pode acontecer ou não. Acho que ele adoeceria muito mais rápido se ficasse só em casa”, diz.

No pós-praia, água do chuveiro para lavar as patas, se não entrar no mar; e no corpo inteiro, se entrar. Para secar, sol; em caso de chuva, secador. Simples né? Aliás, Tico até hoje não precisou usar xampu.

Cachorro feliz!

Descobridor dos 7 mares

Apesar de nascido e criado na praia, Tico sempre foi muito cauteloso com aquela vastidão marinha a perder de vista. Desconfiado com o vai-e-vem das ondas e, talvez, incomodado com a baixa temperatura da água, só agora o pastor alagoano vem se permitindo explorar, cada vez mais, o mar.

Pela bolinha, Tico até encara o mar

Tico ainda vai viver seu primeiro verão. A expectativa é que o mar calmo e com águas mornas da estação o encoraje a se jogar de vez.

De qualquer forma, a imensidão azul tem sua função terapêutica no passeio. A paz, o som, a brisa, os pássaros, todo o cenário contribui para o passeio perfeito. Para o bicho e para a humana.

Saber que o mar é logo ali faz muita diferença!

Mila o deixa à vontade para desbravar como quiser. Na praia, no mangue, no chão batido. “Com Tico, mudei meu olhar para os animais. Entendi que a gente está aqui para suprir as necessidades deles, no sentido de que eles dependem de nós. E não o contrário. Quando penso que salvei Tico, lembro que ele que me salvou. Somos uma boa dupla”, diz com a firmeza e a doçura de um amor tranquilo.

[Fotos cedidas pela tutora Mila]

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