Esta é a história de amor de Cláudia e seu cachorro Leco, um amor que suportou todas as dificuldades, superou expectativas e, literalmente, se transformou em vida. Antes de contar essa história, preciso dizer que Cláudia é uma amiga queridíssima, e eu tenho profunda admiração por ela e por sua relação com Leco.

Bem, em meados de 2017 – quando ainda nem nos conhecíamos -, ao mudar de residência, o filho de Cláudia, Fellipe, passou a pedir um cachorro. No começo, o marido Flávio não quis, mas acabou cedendo. Depois de algumas pesquisas, a família soube de uma moça que estava vendendo filhotes de maltês. Chegando no local, Cláudia segurou uma fêmea nos braços, e Fellipe, um macho. Pensaram, pensaram e acabaram escolhendo o machinho, aquele que seria Leco.
Com 45 dias de idade, o filhote foi para o novo lar, onde já estava tudo pronto, esperando por ele: caminha, shampoo, ração, pente, escova, brinquedo e, desde já, muito amor. Chorou a noite toda, como era de se esperar de um bebê. Mas, ao amanhecer, já estava brincando, mesmo sem nem saber andar direito ainda.
Cláudia ficou encantada. Logo ela, que nunca havia tido um animal de estimação antes e, pior, tinha medo de cachorro – Pode isso?, ela mesma se surpreende. Mas aquela bolinha de algodão conseguiu derrubar essa barreira e conquistou o coração de sua tutora. (E quem melhor do que um cachorro para amolecer corações, não é mesmo?)

Isso por si só já seria excelente motivo para contar a história deles dois. Porém, essa história vai muito além. Cláudia ainda não sabia, mas começaria em breve um dos maiores desafios de sua vida. Não só por causa da sua inexperiência com cães, mas, principalmente, porque o caso de Leco era um desafio até mesmo para a medicina veterinária. Daí também surgiria uma conexão de almas nunca antes experimentada.
Saúde frágil
O histórico médico de Leco começa apenas dois dias após sua chegada em casa. Foi durante seu primeiro banho que notaram um caroço numa das patinhas. No veterinário, descobriram se tratar de um abscesso causado por uma vacina, o que levou à sua primeira internação, com menos de dois meses de vida. Mas, felizmente, no dia seguinte, Leco estava de alta.
As outras vacinas também causaram abscesso – já indicando alergia -, mas compressa gelada e antialérgico resolveram. Pouco tempo depois, Leco começou a ter diarréia sem motivo aparente. Deu-se início a uma investigação que levou o cachorro a ter seis dentes arrancados desnecessariamente.

Leco melhorava, mas depois a diarréia voltava. Ao completar um ano, os episódios de diarréia aumentaram e passaram a ter vômito também. Mais exames e nenhuma resposta. Nessa época, uma conhecida sugeriu que Cláudia testasse alimentação natural e indicou uma veterinária especializada em endocrinologia. A comida natural surtiu um bom efeito e, após alguns exames, a veterinária fechou um diagnóstico: linfangiectasia intestinal. O alívio por, finalmente, ter uma resposta, não durou, pois veio junto com um prognóstico assustador: 2 anos de vida com a doença controlada.
Cláudia perdeu o chão! Descobrira que seu cachorro de apenas um ano tinha uma doença auto imune, sem cura, e com um tratamento que seria para o que restava da vida dele. Portando uma receita com cinco medicamentos, incluindo corticóide e até imunossupressor, ela saiu do consultório arrasada, mas decidida a fazer o que fosse preciso.
Mesmo com todo o tratamento indicado e empenho da tutora, Leco não apresentava melhora. Uma forte crise o levou, mais uma vez, a ser internado em estado crítico. Mas Leco surpreendeu a todos e se recuperou. Aí, ele começava a mostrar sua vontade de viver.

Depois disso, vieram outros profissionais, novos exames, e tudo continuava na mesma. E assim, entre muitos remédios e idas a médicos, Leco completou 3 anos.
A essa altura, o cachorro já havia adquirido hepatite medicamentosa devido à quantidade de remédios que precisou tomar, sobretudo corticóide, o único que tinha efeito imediato. Além da diarreia e vômito, passou a ter dores abdominais e, por isso, rejeição à comida. Quando não dava para controlar as crises em casa, era necessário correr para a urgência.
Provavelmente por causa da dor, Leco também acabou se tornando um cachorro reativo a cães, pessoas e até à manipulação, o que dificultava seu manejo.
Angustiada em vê-lo doente, Cláudia buscou ajuda de uma nutricionista voltada para pets. Já que a alimentação natural tinha trazido benefícios, ela viu uma luz no fim dessa estrada.
Mesmo não sendo fácil, Cláudia sempre deu um jeito de fazer tudo o que Leco precisava. Entendeu as necessidades e peculiaridades do cachorro e cuidava de absolutamente tudo para evitar recaídas em crise. “Eu tinha cuidado com tudo, com limpeza, com produtos, com comida, com higiene. Tentava sempre livrá-lo de estresse, pois isso era gatilho para as crises. A doença o privou de ter uma vidinha normal de cachorro, com petiscos e comidinhas diferentes que todo cachorro gosta”, conta.

Apesar da saúde frágil, que o impedia de tantas coisas, Leco sempre acompanhou a família. Viajou para Guarajuba (BA), passeou na chácara no interior, brincou muito na casa de praia. Todos os anos, ganhou festinha de aniversário.

Os diagnósticos
Sempre em busca de respostas e de qualquer coisa que fizesse Leco melhorar, Cláudia chegou a dois excelentes veterinários, um clínico geral e uma gastroenterologista, que juntos conseguiram ser mais assertivos no caso do maltês. Depois de uma endoscopia, veio um novo diagnóstico: enterite linfoplasmocitária idiopática.
Mais um conjunto de exames e avaliações clínicas, e descobriram a dermatite, atopia e intolerância alimentar. O diagnóstico da linfangiectasia intestinal se manteve, mas se tratava de uma doença secundária, ocasionada pela enterite.
Com uma nova equipe profissional, começou o desmame de medicamentos, modulação intestinal e dieta com alimentos que não fizessem mal ao cachorro. Ele melhorou significativamente. Foi o início de uma nova fase na vida de Leco, progresso no tratamento e esperança para Cláudia.

Ao longo de todo esse percurso, Cláudia nem sempre recebeu apoio e compreensão. Pela atenção e dedicação total a Leco, por não lhe deixar faltar nada, por renunciar passeios e diversão para cuidar ou simplesmente fazer companhia a ele, foi muito criticada, ouvindo coisas do tipo “é só um cachorro” e até piadas de mau-gosto. “Às vezes, nem precisavam falar, só pelos olhares, eu já sentia o julgamento. Eu evitava falar sobre ele com algumas pessoas por causa disso”. Mas Cláudia sempre foi daquelas tutoras leoas, que defendem seus filhotes com unhas e dentes. “Vivi por Leco mesmo e não me arrependo. Penso que ainda poderia ter feito algo mais por ele. Eu o protegi até o fim!”, afirma.

Leco estava sempre se submetendo a tratamentos e investigações. Passava algum tempo estável – o máximo foi 4 meses – até a próxima recaída, quando suspendia uns remédios, tomava outros e refazia exames. Na alimentação, nunca pode experimentar muito. Quase tudo não lhe caía bem, o que tornava seu cardápio bem restrito.
Por causa da dificuldade em estabilizar seu quadro, a imunização por meio de vacinas também ficou prejudicada. E aí, veio mais uma batalha para enfrentar: a diroflariose (também conhecida como verme do coração).
Muitas estratégias foram tentadas. Algumas concluídas. Mas quando havia qualquer reação negativa, era preciso recalcular a rota. E assim, entre muitos medicamentos e reações, perto dos 7 anos de idade, o organismo de Leco deu sinais de que já não estava aguentando mais, rejeitando quase tudo que fosse oral. As articulações também se mostravam comprometidas. A conduta a partir de então seria interferir o mínimo possível e tentar garantir seu bem-estar. Cláudia não rogava mais por cura. Ela só queria que seu cachorro tivesse qualidade de vida.

A medida, porém, não pode ir muito adiante, pois, em pouco tempo, Leco teve broncopneumonia, positivou mais uma vez para a dirofilariose e ainda teve bronquite. Uma sequência de doenças que requeriam muitos remédios, adiando o plano de poucas intervenções.
Entre altos e baixos, Lequinho completou 8 anos no dia 14 de outubro de 2025. De um lado, a alegria por comemorar mais um ano de vida. Mas do outro, a tensão de receber mais um diagnóstico grave: megaesôfago, uma doença que causa regurgitação logo após a refeição ou até horas depois e com complicações sérias. Leco, que já vinha apresentando refluxo e muita tosse, passou a vomitar com frequência logo após comer. Em questão de dias, precisou ser internado.

O melhor colo do mundo
No seu último dia, 14 de novembro, Leco teve pneumonia aspirativa e entrou num quadro irreversível. “Fiquei com ele no meu colo. Foi quando ele se acalmou e até dormiu. Chamei ele pelo nome e, mesmo sem conseguir respirar direito, levantou a cabeça e me olhou. Tivemos a chance de nos despedirmos. Jamais vou esquecer”, conta Cláudia. E foi ali, no melhor lugar do mundo, o colo de sua tutora, que ele fez a passagem. Entrou num sono profundo para se libertar de todas as dores e limitações do seu corpinho.

Esta foto não é do momento de sua passagem
Foi embora rodeado de amor. O maior de todos, o de sua mamãe Cláudia. O do “irmão” Fellipe e da namorada dele, Larissa, por quem Lequinho era doido. E também o de todos que estavam na clínica, veterinários, auxiliares, funcionários da recepção e da limpeza. Cada um sentiu a partida daquele “bravinho” que já era bem conhecido e querido por todos.
“Foi difícil voltar para casa sem ele, acordar no dia seguinte e não ter a rotina que era toda pensada para ele, horário das refeições, dos remédios, voltar do trabalho correndo para casa só para ficar ele”. Tudo em casa era adaptado para Leco, e até mesmo no trabalho, a loja de piscinas da família, para onde Cláudia o levava cada vez mais nos últimos tempos.

Um corpo tão pequeno não deveria ter que suportar tantas coisas. Mas sua alma era grande, e seu propósito, divino. Sua vinda não foi em vão. Leco precisava de Cláudia como guardiã neste mundo. E Cláudia, sem saber que, na verdade, estava sendo escolhida, aceitou o chamado ao escolher junto com o filho aquele maltês machinho. “Leco me ensinou muito. Quando criança, atravessava a rua se visse um cachorro, de tanto medo que eu tinha. Aí ele chegou cheio de marra. E eu aprendi a lidar com ele, consegui fazer quase tudo que precisava”, relembra.
Leco descansou. Descansou de uma vida de muitas intervenções médicas e poucas oportunidades de ser apenas um cachorro. Ele foi um guerreiro. E Cláudia foi uma guerreira também. Uma mulher que não se omitiu da grande responsabilidade que lhe foi dada, não se apequenou diante das incertezas, da insegurança, das frustrações. Ela não desistiu!

Houve medo, houve choro, houve inúmeras noites mal dormidas, mas uma coisa era certa, Cláudia nunca deixou a peteca cair. Houve, sim, momentos de fraqueza. Cuidar de Leco exigia não só esforço físico, mas um extraordinário esforço emocional, que muitas vezes ela pensou não ser capaz de sustentar. Porém, olhar aquele serzinho indefeso e totalmente dependente dela era a energia que a recarregava.
Que força e resiliência desses dois! Sem dúvida, um era o incentivo do outro. Um amor que não se explica, só se sente.
Cláudia foi a vida de Leco. Dedicou os últimos 8 anos a ele porque não era só um cachorro, mas alguém com quem tinha uma conexão que ambos entenderam desde cedo.

E ainda que com tantos percalços e obstáculos, foi uma jornada única, bonita e admirável. Que pouco se vê por aí. Missão cumprida para os dois. Que baita missão!
“Que sorte a minha ter tido ele na minha vida, mesmo do jeito que foi, que sorte a minha ter podido cuidar dele por 8 aninhos e um mês”, agradece.
E que privilégio vocês terem encontrado um ao outro. Quão longe ele chegou por causa dos seus cuidados, do seu amor. Leco também queria viver e retribuir toda a sua dedicação. Quebrou padrões e expectativas e mostrou que não veio a esse mundo à toa.
O luto é a versão lancinante do amor. Quem teve a honra de amar um animal e ser amado por ele, um dia, conhecerá essa dor avassaladora.
E aqui, falo também por mim, pois queria bem a Leco como se fosse ele próprio meu amigo.
E à minha amiga Cláudia, basta saber que a verdadeira cura nem sempre está em extirpar a doença ou parar a dor, mas na presença real de alguém que transforme sua vida e teça novos sentidos, onde o encontro de duas almas é o remédio que ambas precisam para seguir sua jornada.
Leco é grato e está em paz.






