
“Tem um bicho m0rto ali”. Falei antes mesmo de parar o carro. Meu marido estacionou. Desci rapidamente, já com o coração acelerado. Ao me aproximar, confirmei a suspeita. Mas tinha algo mais. Eram filhotinhos. Então, outro susto: eles se mexeram. À essa altura, com o estômago já embrulhado por causa da cena e do cheiro, senti cada fio do meu corpo se ouriçar. “Eles estão vivos!”, bradei pra meu marido, que ainda estava no carro.
Uma casa abandonada. Feita só de muros e portão enferrujado. Do lado de dentro, é tudo mato. E muitos gatos que ali vivem. Não por muito tempo. Sem controle, o ciclo está a todo tempo se repetindo. Por isso, quase todos são filhotes.

Alguns vizinhos os alimentam diariamente. Eu, que moro um pouco mais distante, levo, eventualmente, uma comidinha diferente. Então, naquele dia, foi o que fiz. É sempre assim: levo a comida quentinha, dividida em dois ou três potinhos para distribuir entre os vários felinos. Chego no local, coloco através da grade do portão trancado, e logo um a um começa a aparecer, atraído pelo cheiro de novidade.
Naquela tarde de quinta-feira, 6 de junho, porém, havia algo estranho. Mesmo com o sol se pondo, consegui notar a presença de um corpo estranho. Alguns gatos na calçada, como de praxe, correram para dentro, assustados com a minha chegada. Larguei os potinhos na calçada e me aproximei para conferir a veracidade do que meus olhos me diziam. Era um saruê e tinha filhotes aninhados nele.
Quando percebi um deles se mexendo, me desesperei. Estão vivos. E agora, o que eu faço? Do carro, meu marido me ouvia narrar a cena. Não podíamos deixá-los ali. E não deixamos!
Para a pobre mamãe saruê, já era tarde. As moscas em volta de seu corpo já estavam afetando até os filhotes vivos. Era preciso agir rápido. Sabe lá o que tinha acontecido e, provavelmente, eles não aguentariam muito tempo. Voltamos para casa para nos equipar: luvas, máscaras, álcool, uma caixa de papelão para transportá-los e uma vassoura para puxá-los para fora (pois estavam portão adentro).
Enquanto meu marido fazia o trabalho braçal, de tentar capturá-los com a vassoura, eu segurava a lanterna do celular para combater a falta de luz do anoitecer, ao mesmo tempo em que olhava atentamente para cada bichinho daquele que tentava desesperadamente fugir do predador desconhecido, a vassoura.
Eram cinco seres minúsculos, rastejando em direções diferentes. E a única coisa que podia trazê-los até nós era um cabo de madeira com uma cabeça de cerdas de piaçava na ponta, algo que facilmente poderia machucá-los. Mas não havia outro jeito. Aquele negócio de “faça o que puder com o que tem” nunca fez tanto sentido.

Alguns minutos de sufoco depois, felizmente, conseguimos arrastar todos para nós e colocá-los dentro da caixa. Seguimos, inicialmente, rumo a não sei onde. O caminho foi longo, tentando contatar órgãos responsáveis, que não atendiam mais depois das 17h, e clínicas que não recebiam animais silvestres.
Até que, finalmente, encontramos uma que os atenderia. Ufa! Na consulta, os saruezinhos foram avaliados com cuidado, pesados e tiveram retiradas as larvas de moscas que já estavam depositadas nos seus frágeis corpinhos. Eles ficariam acolhidos ali até a manhã seguinte, quando acionaríamos a equipe de resgate do Cetas (Centros de Triagem de Animais Silvestres, unidades ligadas ao Ibama, responsáveis por receber, reabilitar e devolver à natureza animais silvestres que foram apreendidos, resgatados ou entregues voluntariamente pela população).

Assim foi feito. Tão novinhos ainda e já sem a mãe para alimentar, guiar, proteger e ensinar. Quais as chances desses pequenos órfãos?
Éramos metade sensação de dever cumprido, metade vontade de poder intervir até que eles fossem maduros e saudáveis para voltar a seu habitat natural. Alguns dias depois, soube que dois deles não resistiram. O que quer que tenha afetado a mãe deve ter comprometido eles também.

Tristeza e frustração são inevitáveis nessa hora. “Vocês fizeram sua parte e agiram corretamente”, disse a veterinária que fez o primeiro atendimento deles. E, de alguma forma, é preciso se convencer disso para seguir em frente.
Nunca tivemos notícias dos outros. Mas, com o final feliz que gostaríamos ou não, somos gratos por termos cruzado o caminho daqueles bebês saruês e ter a chance de fazer algo por eles.






